sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Quero me alfabetizar


Quero me alfabetizar      

 Autor:Jose Tavares de Sousa

Eu, um caboclo da roça
nsascido no meio do mato

Criado como batata

Que não tem regra de fato

Qual jerimum de vazante

Pescoçudo e fundo chato

 

E eu nascido no mato

Tive uma infância opaca

Amansando burro brabo

Tirando leite de vaca

Bebendo o leite, mugido

Pra curar minha ressaca

 

Batendo grampo em estaca

De pé-de-bode no peito

Roçando o mato crescido

Jurema cortei no jeito

No cabo da roçadeira

Eu era o boca de eito

 

Mas é falta de respeito

Sem ter casa pra morar

E a carteira de trabalho

Ninguém mais quis assinar

E eu feito arigó do mato

Sem saber a quem cobrar

 

Quero me alfabetizar

De estudar eu careço

Por não conhecer as coisas

Tenho pago um caro preço

Igual um escravo branco

Sem saber quanto mereço

 

Doutor, sei que careço

Que a escola mostre outra face

E que diga ao povo humilde

Que o problema é de classe

Uns nascem já dominados

Pra dominar, outro nasce

 

 

Eu quero ver minha classe

Sem ter discriminação

Trabalho, escola, saúde

Higiene e habitação

E entregue aos trabalhadores

Os meios de produção

 

Não quero ver meu sertão

Com criancinha bochuda

Descalça, de pés no chão

De barriguinha graúda

Que nem como nem se veste

Nem trabalha e nem estuda

 

Doutor, eu não quero ajuda

Nem assistencialismo

A escola tem que sair

Do seu academicismo

Sem ministrar EPB

Moral e nem catecismo

 

Abaixo o academicismo

E deixe o povo pensar

A escola é para todos

A educação popular

Mostrem quem é explorado

E o que fazer pra mudar

 

A escola tem que ensinar

À criança escovar dente

O homem fazer política

Mulher ser independente

E não deixar a pobreza

Ser mais subserviente

 

Tem que ser mais competente

Mostrar o certo e o errado

Doutor me ensine a contar

Pra não ser mais enganado

Pelo patrão e patroa

Que pagam pouco e atrasado

 

 

Não quero ser enganado

Com medalha e com troféu

Dizendo que pobre é vítima

Falando que rico é réu

Que rico vai pro inferno

E pobre é que vai pro céu

 

Doutor guarde esse seu céu

Que nele eu não quero entrar

Analfabeto político

Quero me alfabetizar

E se não for desse jeito

Não vou me matricular