Bem antes de Eduardo Coutinho andar nos quatro cantos do sítio Araçás município de São João do Rio do Peixe no estado da Paraíba, na busca de registrar a cultura de uma comunidade autenticamente nordestina ainda não prostituída pela influencia da globalização, passaram outras expedições na tentativa de conseguir textos e músicas da região para geração de canções e modas. Todo esse esforço, provavelmente, deva-se a peculiaridade da população araçazeira.
A comunidade de Araçás não sabe e nunca ouviu falar que na China morre anualmente 10 milhões de pessoas, três vezes a população de todo o Estado da Paraíba. Também não sabe que aquele país gastaria cerca de 4 milhões de metro cúbico de madeira na construção de caixões para enterrar seus mortos e utilizaria 4 mil hectares de terra agricultável nessa operação. Não há recursos naturais suficientes para atender essa demanda, portanto, os Chineses seguindo a tradição do passado budista imperial devem resolver essa problemática realizando a cremação dos seus mortos.
A comunidade de araçás não tem essa informação supracitada, sabe se comunicar solidariamente, trabalhar, rezar participar de um forró e ouvir uma cantoria de pé -de- parede.
Nos domingos e feriados, a população resgatada pelo documentário “O fim e o princípio” não se dirige ao Shping para fazer compras e assistir filmes, permanece na localidade passeando entre as casa dos vasinhos, contando casos e lorotas. Participando de cantorias com duplas de violeiros que sabem cantar as coisas peculiares da região.
Não tem conhecimento de que 38% de mais de um milhões de domicílios do estado da Paraíba são cadastrados nos programas do governo Federal, atendendo a 1 milhão e 200 mil pessoas mais de um terço da população estadual, vive com renda advinda de programas assistencialista. Do ponto de vista econômico, a Paraíba contribui com menos de 1% do produto interno bruto nacional.
Mariquinha a personagem do documentário “O fim e o princípio” expressa a sertaneja marcada pelo próprio destino de ser viúva, não ter gostado do período que viveu com seu marido e teve a infelicidade de viver distante do seu filho que mora no estado Pará. Deixa claro que beber uma branquinha nos dias de feira, torna-se a melhor opção da sua vida.
Bom, o mais importante é que o sítio Araçás é tradicional na prática de Novenas e Cantorias. No mês de maio novena em “Doninha” era o mês inteira. Mas, além de novena a cantoria de viola sempre foi preferida pela maioria da população araçazeira.
Mozim e Deozim nascidos no sítio Baixio do Gila no município de São João do Rio do Peixe participaram da Cantoria nos Araçás.
Abrindo a cantoria
Mozim Iniciou:
Hoje aqui nos Araçás
O dia tem cor de lousa
A morte levou Corinta
Depois levou Zé de Sousa.
A morte é muito ingrata
Leva marido e esposa
Deozim continuou:
Eu Sei que a morte ousa
Matar quem a gente quer bem
Mas, no dia em que DEUS
Levar a morte também
Ai a morte vai ver
O valor que a vida tem.
Antonio Amador Ribeiro Dias presente na cantoria solicitou o seguinte assunto para sextilhas: Meu sertão de Antigamente.
Mozim Iniciou:
Eu acho que o meu sertão
Não é o de antigamente
Que filho obedecia a pai
A mãe ao avó ao parente
E as drogas que existiam
Eram café e aguardente.
Deozim continuou:
Hoje é muito diferente
Do sertão que fui nascido
É filho matando o pai
É pai sendo bandido
É fêmea atrás de mulher
È homem atrás de marido.
Nato de Zé Domingos presente na cantoria conversando a respeito de uma briga de peixeira, na qual um cidadão perdeu a banda do intestino e um pedaço do coração e escapou, parece ser milagre Nato replicou. Geraldo de Antonio Timóteo disse, Jesus ressuscitou esse homem
Mozim pegou o assunto e iniciou:
Jesus ressuscita morto
Conforme a bíblia confessa
Eu ia morrendo de graça
Mas, Jesus chegou depressa
Botou a mão e eu escapei
Depois paguei a promessa
Deozim continuou:
Que estória de promessa
Você não entende o xadrez?
Jesus só lhe deixou vivo
Por levar de outra vez
Pra você se arrepender
Das besteiradas que fez.
Nivaldo Amador, poeta, economista e político de conceituada capacidade intelectual na região sertaneja pediu o seguinte a Assunto para sextilhas: Santo protetor
Mozim Iniciou:
O santo que me protege
É de ferro, bronze e aço
Reza de noite e de dia
E nunca sente cansaço
Ajoelha-se e se levanta
Não sofre dor de espinhaço.
Deozim continuou:
Pois o meu é um fracasso
Velho fraco e dormi oco
Reza uma vez por semana
Que pra santo é muito pouco
Vive a vida na moleza
E eu passando sufoco.
Antonio Amador, engenheiro, professor Universitário e poeta extraordinário, pediu um assunto bíblia para sextilhas: Crucificação de Jesus.
Mozim Iniciou:
Sei que Pôncio Pilatos
Um romano endiabrado
Foi amigo de Herodes
Jesus foi crucificado.
Mas depois suicidou-se
Para pagar seu pecado.
Deozim continuou:
Pilatos cabra safado
Foi fraco de fazer dó
Lavou as mãos, e os pés
Perna, braço e mocotó
Não Lavou o corpo inteiro
Por faltar Sabão em pó.
O poeta Zé Laurentino chegou à cantoria pediu seguinte mote:
Quem é que não tem saudade
De alguma coisa na vida.
Mozim Iniciou:
Ainda tenho lembrança
Da minha primeira escola
Do meu baião de viola
Que escutei quando criança
Da minha primeira dança
No forro de Margarida
Do meu copo de bebida
Que deixei pela metade
Quem é que não tem saudade
De alguma coisa na vida.
Deozim continuou:
Do tempo que foi solteiro
Da primeira namorada
Das farras de madrugada
Gastando pouco dinheiro
Depois em meu travesseiro
Aquela mulher bandida
Que mesmo sendo fingida
Dava-me felicidade
Quem é que não tem saudade
De alguma coisa na vida.
Dácio Amador, filho de Zé de Sousa chegou na cantoria pediu para cantar as mazelas da vida cotidiana.
Assunto: As mazelas da vida cotidiana
Mozim Iniciou:
Para se livrar dos males
Tem que ser mais Perspicaz
Lutar por dignidade
Por métodos racionais
Já que a caixa de Pandora
Nem todo o mundo Faz
Deozim continuou:
Precisa mesmo é ter gás
Pra botar no candeeiro
Pra que ter dignidade
Se que vale é ter dinheiro
Quem não sabe fazer caixa
Não dá pra ser carpinteiro.
Depois foi pedido o seguinte mote:
Minha bomba de puxar água
Está diferente de mais.
Mozim:
No tempo que eu era moço
O meu kit de irrigação
Era uma perfeição
Irrigava carne e osso
Veia fina e couro grosso
E as vias tangenciais
Hoje diferença faz
O líquido não mais deságua
Minha bomba de puxar água
Tá diferente de mais.
Deozim continuou:
Só se for a do senhor
A minha é uma beleza
O liquido tem correnteza
Basta é liga o motor
Irriga com tanto fervor
Que jorra pelos canais
Nos momentos especiais
Não tem lamento nem magoa
Minha bomba de puxar água
Tá diferente de mais.